Camané - Bêbado Pintor

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Era noite invernosa e o vento desabrido
Num louco galopar ferozmente rugia
Vergastando os pinhais pelos campos corria
Como um triste grilheta ao degredo fugido

Num antro pestilento, infame e corrompido
Imagem de bordel, cenário de caverna
Vendia-se veneno à luz duma lanterna
À turba que se mata ingerindo aguardente
Estava um jovem pintor atrofiando a mente
Encostado sem brio ao balcão da taberna

Rameiras das banais, num doido desafio
Exploravam do artista a sua parca féria
E ele na embriaguez do vinho e da miséria
Cedia às tentações daquele mulherio

Nem mesmo a própria luz nem mesmo o próprio frio
Daquele vazadouro onde se queima a vida
Faziam incutir à corja pervertida
Um sentimento bom de amor e compaixão
P'lo ébrio que encostava a fronte ao vil balcão
De nauseabunda cor e tábua carcomida

Encostado sem brio
Ao balcão da taberna
De nauseabunda cor
E tábua carcomida

O bêbado pintor
A lápis desenhou
O retrato fiel
Duma mulher perdida
O bêbado pintor
A lápis desenhou
O retrato fiel
Duma mulher perdida

Impudica mulher
Por entre o vil bulício
De copos tilintando
E de boçais gracejos

Agarrou-se ao rapaz
E cobrindo-o de beijos
Perguntou-lhe a sorrir
Qual era o seu oficio
Agarrou-se ao rapaz
E cobrindo-o de beijos
Perguntou-lhe a sorrir
Qual era o seu oficio

Ele a cambalear
Fazendo um sacrifício
Lhe diz a profissão
Em que se iniciou

Ela escutando tal
Pedindo alcançou
Que então lhe desenhasse
O rosto provocante

E num sujo papel
As feições da bacante
O bêbado pintor
A lápis desenhou

Retocou o perfil
E por baixo escreveu
Numa legível letra
O seu modesto nome

Que um ébrio esfarrapado
E o rosto cheio de fome
Com voz rascante e rouca
À desgraçada leu
Que um ébrio esfarrapado
E o rosto cheio de fome
Com voz rascante e rouca
À desgraçada leu

Esta, louca de dor
Para o jovem correu
Beijando-lhe muito o rosto
Abraça-o de seguida

Era a mãe do pintor
E a turba comovida
Pasma ante aquele quadro
Original, e estranho

Enquanto o pobre artista
Amarfanha o desenho
O retrato fiel
Duma mulher perdida

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Era noite invernosa e o vento desabrido Num louco galopar ferozmente rugia Vergastando os pinhais pelos campos corria Como um triste grilheta ao degredo fugido Num antro

Camané

Camané, nome artístico de Carlos Manuel Moutinho Paiva dos Santos (20 de dezembro de 1966, Oeiras, Portugal) é um cantor português conhecido por ser uma das mais destacadas vozes masculinas do fado.

Ainda jovem, começa a cantar e a gravar, influenciado pelo meio familiar. Em 1979, aos 13 anos de idade, vence a Grande Noite do Fado, que lhe abre portas para participações em várias produções teatrais de Filipe la Feria na década seguinte, como “Grande Noite”, “Maldita Cocaína” e “Cabaret”.

O primeiro disco mais sério, “Uma Noite de Fados”, sai em 1995. Gravado no Palácio das Alcáçovas, em Lisboa, dá início a uma longa colaboração com José Mário Branco, como produtor.

Para além do fado, o cantor tem feito incursões noutros géneros musicais. Em 2005, abordou compositores brasileiros como Vinicius de Moraes no espetáculo “Outras Canções”, no Teatro S. Luiz, em Lisboa. Em 2014, atuou no Festival Île de France, em Paris, numa homenagem a Cesária Évora, acompanhado pelos músicos da cantora cabo-verdiana.

Enquadrou ainda o projeto Humanos, com Manuela Azevedo e David Fonseca, que recuperou canções de António Variações 20 anos após a morte do cantautor, em 2004.